Por muito tempo tenho pensado acerca de nossa pequena caminhada por esta vida. Falo desta caminhada da qual sabemos existir, fora de qualquer elucubração metafísica como vidas passadas ou mesmo amenizações futuras sobre as possíveis vidas que teremos. Quero me abstrair deste contexto neste breve momento e pensar, por um instante que seja, que algo que nos faz concebermos a nós mesmos como indivíduos fora criado no momento do nascimento e acabará no momento de nossa morte. Quero, como base para este texto, manter-me no pensamento de que quiçá sejamos como o dito energético de que nada se perde, tudo se transforma de alguma forma. Pensando assim chegaríamos à concepção de que ao morrer, podemos até virar adubo que comporá outro ser, mas que não teremos de nosso conjunto atual as lembranças e a coesão suficiente de ser o que agora somos. Filosoficamente eu já poderia dizer que não somos hoje sequer o que fomos ontem, posto que somos uma constante transformação, mas ainda mantemos, ainda assim, uma linearidade chamada memória que nos conduz na transição do ontem ao hoje, em uma linha de continuidade que nos faz ter uma história pessoa, nos faz ser uma parte em mutação de um ontem a caminho de um incerto amanhã.
Sob essa premissa temos que questionar algo essencial: qual é o nosso papel nesta pequena caminhada?
A primeira premissa que me vem a mente é: se não há a certeza de termos uma próxima vida, ou a continuidade desta, poderíamos cair no inevitável hedonismo e fixar a nossa vida em um viver agora em busca tão somente dos prazeres efêmeros. A falta de garantia de um futuro, a falta de uma perspectiva nos levaria a viver o presente como se não houvesse o amanhã, o que de todo não seria ruim, mas nos levaria a um decréscimo de nossas capacidades maiores em nome dos prazeres menores – o que em nós seria diferente dos animais? Os animais vivem em busca da satisfação dos deveres instintivos: alimentação, reprodução, vivem para satisfação básica de suas necessidades e não refletem sobre o seu tempo aqui, muito menos sobre seu futuro e sobre o seu passado. Isso não os deixa livres, pelo contrário são escravos devotos de seus instintos. São presas fáceis de um ser reflexivo como nós humanos, já que podemos espreitar os seus hábitos, podemos captura-los em armadilhas plantadas focadas em seus desejos naturais.
Sem a perspectiva de um porquê do cultivo de hábitos que desenvolvam o que nos diferencia dos animais estaremos fadados a sermos prezas de nossa natureza íntima: buscar o prazer sexual, o prazer alimentar, o prazer de toda a sorte, e a busca de evitar a dor. Se guiarmos a nossa vida assim, guiados pelos impulsos de desejos e medos, em busca do prazer e da fuga da dor, não seremos mais do que animais guiados por instintos e talvez desejos mais refinados.
Por outro lado, se partirmos da premissa que ao viver bem, seguindo cartilhas morais sobre a vida boa de igrejas, conseguiremos assim atingir um paraíso no futuro, no pós morte, seremos da mesma forma escravos de ditames morais, de regras feitas consubstanciadas na premissa de que determinadas ações nos levarão no futuro a ganhar um prêmio, e determinadas outras ações pecaminosas nos levarão ao inevitável inferno, ou a punição. Essa visão se traduz, da mesma sorte, em uma ideia de sermos guiados também pelo desejo e o medo. De um lado o desejo de uma pós vida plena, e o medo de uma pós vida de dor e angústia. Desta forma a pessoa que se guia por ditames morais (pecado e virtude) age da mesma forma acorrentado por um algo exterior, não é de forma alguma liberto, mas sim guiado por uma força exterior.
Neste ponto que Don Juan apregoava uma prática um tanto quando controvertida, diferente da ideia tradicional de boa vida, o não fazer, ou o fazer por fazer. Seria uma maneira de viver praticando atos da melhor forma possível (impecáveis), sem busca rum objetivo em si. Há regras também neste sistema: praticar algo que não prejudique a caminhada de outro e também que não vá prejudicar a sua própria energia. O entendimento é que o ato impecável é aquele feito com o seu máximo, sem busca de resultados e tão pouco sem prejudicar o seu limitado estoque de energia interior. Segundo Don Juan, um conjunto de atos praticados desta forma seria capaz de potencializar as nossas capacidades nesta vida, e nos permitir ver para além do limitado campo de interpretação do mundo que fomos treinados a ver. Ele chamava isso de ver, de forma a ampliar os limites cognitivos rompendo as barreiras da interpretação cotidiana do mundo. O objetivo disso é um só: ver para além da prisão interpretativa de mundo que temos. Percebam, não é um código moral de vida, não é tão pouco uma premiação ou um acalanto de desejos pessoais internos. Ver é apenas o perceber de forma livre.
Façamos então uma pequena digressão sobre o que seria o ver no sentido do donjuanismo. Ver para ele era perceber as linhas do mundo diretamente. Muitos confundem isso, e já vi aos baldes, com o ver percepção visual de filamentos de energia. Isso pode até de fato acontecer, como quando acontece com pessoas que “veem estrelas” quando sentem sintomas de desmaios ou vertigens, mas em geral ver é perceber o universo de forma mais ampla, e quando falo de forma mais ampla é com sentidos não usuais. Ver é antes de tudo uma sensação de conhecimento em bloco, é perceber além do que percebemos em nosso cotidiano com o uso interpretativo social. Somos treinados a sentir com cinco antenas em nossa vida: visão, audição, tato, paladar e olfato. Somos treinados a esquecer qualquer outro sentido inusual, apesar de já termos sentido de outras formas: arrepios, sensações de fora do corpo, impressões em bloco, “visões” de eventos. Todos sentimos isso durante toda a vida, mas somos criados e treinados a não dar atenção a esses sentires. Somos aprisionados em sentir apenas por estas cinco antenas, e a interpretar essas percepções por meio de consensos sociais. Nossos antepassados, e nossos contemporâneos da mesma forma a todo dia reinterpretam o mundo no consenso social, vemos as coisas aprisionados em um anel interpretativo, um círculo hermenêutico chamado por Don Juan de primeiro anel de poder. O segundo anel é a hermenêutica dos feiticeiros, um conjunto mais amplo de interpretação do universo tanto no que concerne as antenas de percepção quanto ao que se interpreta do percebido.
Pois bem, neste novo conjunto interpretativo mais amplo tem-se o ver, que é algo que se torna naturalmente possível com o cultivo de práticas que longe de serem moralmente melhores ou piores são energeticamente mais favoráveis ao nosso conjunto energético. Considerando que somos uma quantidade, uma soma de energia finita, os feiticeiros, por meio da observação sem crítica (ver), descobriram que algumas práticas potencializam esse conjunto energético e outras práticas diminuem a qualidade de nossa energia interna. Não tem nenhuma relação com práticas boas, más, com ir para o céu ou para o inferno, nada de conceitos morais, mas puramente perceptivos de qualidade total. Observando pessoas viram que algumas práticas as deixavam cansadas, outras as deixavam energizadas. Perceberam que quanto mais energia se acumula mais liberdade a pessoa tem para perceber sem imposições do sistema social, e mais alcançam os seus desejos, chamaram a isso de poder pessoal, algo que pode ser cultivado com a realização de algumas condutas e a evitação de outras. Perceberam que cada pessoa tem características próprias mas em geral elas se replicam, mas como eram muito pragmáticos incentivavam a auto-observação (espreita – recapitulação), e com isso cada um poderia fazer um mapa de otimização de vida pessoal para o cultivo do poder pessoal. Com suficiente poder pessoal e disciplina viram que é possível a ampliação do primeiro anel de poder, e chegamos ao segundo anel, uma visão mais pura e liberta da realidade na qual estamos inseridos.
Percebam que o objetivo dos ensinos do donjuanismo não é posterior, não existe um código moral mas sim um código energético que deve ser escrito por cada indivíduo exclusivamente, em práticas que foram talhadas ao longo dos anos como um caminho. Para entender a sua melhor forma observe-se (recapitulação), para ampliar os limites cognitivos sonhe (ensonho), para agir sem esperar recompensas espreite. Com esse tripé seria possível um aperfeiçoamento energético mas nada seria garantido para o futuro. Não se garantia com isso o paraíso, a vida eterna, várias ou vários virgens no céu, ou qualquer outro prêmio. Da mesma sorte não seria punido com o inferno quem não seguisse esse mapa, exatamente por ser o depósito em expectativas futuras um grande erro para o donjuanismo. Mira-se então no aprimoramento pessoal, entende-se assim que devemos buscar o nosso refinamento energético como forma de retribuição por este grande presente que é estar vivo. A compreensão sobre o que isso pode ocasionar em uma vida vai ficando mais claro à medida que se caminha por esta senda de conhecimento.
Quanto mais poder pessoal mais disciplina é possível na vida, com essa disciplina e poder mais ampla e liberta é a percepção, com essa percepção aprimorada se consegue ter vislumbres sobre fatos energéticos existentes, como o fim de tudo que é vivo.
Como um grande fato energético Don Juan falava sobre a morte. Dizia ele que a morte, vista por observadores imparciais, era uma força desaglutinante, uma força que gera o colapso a unidade que chamamos de EU. Esse colapso nos fragmenta nas unidades menores e indivisíveis segundo a concepção energética chamada de filamentos de luz. Filamentos que são sugados por algum ponto do universo em termos de energia invisível aos olhos humanos e parte de filamentos que são mantidos como matéria para se transformar quimicamente até a sua dissolução. Parte de nós, no momento da morte, é sugado por uma forca centrípeta do universo, outra parte fica aqui, não somos após a morte a unidade que agora percebemos o mundo, mas sim fragmentos de pensamentos, de experiências, de todo o tipo de impressões que deixamos em cada um dos bilhões de filamentos que nos compõem. Isso vai ser aproveitado em outras vidas, bem como parte de nós poderá ser adubo a uma planta, ou mesmo um órgão que será doado a alguém. Tudo vai seguir adiante sem saber da unidade que era. Perceberam ainda os feiticeiros que algumas pessoas conseguiam separar a parte densa do corpo de uma parte invisível e manter nesta toda a consciência. Diziam eles que a parte densa do corpo era o invólucro de um ovo de luz, e a parte interna e invisível eram os milhares ou bilhares (uso só a título de dizer muitos) de filamentos. Diziam eles que viram (não no sentido de enxergar) que algumas pessoas quando seguiam a sua jornada de forma impecável conseguiam transferir a consciência da unidade para essa parte menos densa e seguir a jornada mantendo a consciência da linha temporal do que era, e mantendo viva a unidade chamada EU.
Não sabiam explicar o propósito disso, nem queriam ou podiam garantir que seguindo uma vida impecável (não no sentido moral), se conseguiria tal feito. Muito menos disseram que isso era chegar a algum tipo de paraíso ou imortalidade.
Alguns videntes apenas falaram que, observando tal transformação, podiam ver que muitas destas novas energias inorgânicas seguiam ao Domo dos Naguais, um local que se situa topograficamente em nosso mundo visível em Órion, o que é impreciso de se dizer segundo a nossa orientação convencional deste mundo. Diziam que não sabiam o propósito disso ou se assim acontecia com todos que conseguiam manter aglutinada a sua energia e consciência nos filamentos internos. Alguns sumiam deste mundo e nunca mais eram vistos, e neste caso sabiam explicar menos ainda o que acontecia com essas pessoas.
Em todo caso, conseguindo ou não este feito no final, o que percebiam era que o acúmulo de energia com ações energéticas, e a busca do poder pessoal serviam como um propósito em si que guiavam a uma boa convivência com todos ao seu redor bem como um sentir-se bem e intenso, além de gerar uma conexão e entendimento especial com o universo e com todas as coisas que nos cercam. A conclusão óbvia é que este era o modo de vida correto para se atingir o maior bem estar em vida para si e para todos que o cercam, um modo não predatório e pleno de energia, um modo que foi chamado, de forma antagônica, de o caminho do guerreiro, pois não implicava em um combate ou a beligerância e sim muito mais em um pacifismo e uma evitação de combate ao mesmo tempo que exigia do caminhante um estado sempre pleno e de atenção em que o melhor de si era aplicado a tudo que fosse feito, mesmo que eventualmente esse algo fosse um combate. Percebam, um guerreiro pela paz, uma luta pela tranquilidade, uma ação por meio da serenidade, o guerreiro assim sabe que o maior inimigo é ele mesmo, e que o maior feito é deixar os outros em paz. Entendem assim que essa é a única forma de viver livre, aperfeiçoando-se para se libertar em primeiro lugar das amarras perceptivas que o cercam, e após das amarras sociais que decorrem das amarras perceptivas. Lutar contra a ignorância implantada internamente é lutar pela liberdade, e lutar por ela é um objetivo em si de experimentar-se em seu máximo, e exultar o presente que é a vida vivendo plenamente, sem que isso se reverta em práticas hedonistas que enfraquecerão o guerreiro. Quem caminha buscando a auto destruição caminha por uma prisão, pois será cativo em vida. Quem caminha pelo hedonismo inconsciente caminha pela inconsciência e a prisão. Reconhecer a verdade energética em tudo permite suplantar as amarras dos desejos e do medo, e somente assim é possível caminhar de forma liberta. Não se trata de ter um objetivo futuro, mesmo ele podendo acontecer, trata-se antes de se ter a si mesmo como o objetivo maior nesta jornada, sem querer ao mesmo tempo impor isso a outros, como um mercador, pois não há o que se oferecer neste caminho além de um árduo trabalho de recondução ao que somos de fato, e quem sabe ai, dentro cada um de sua própria verdade, encontrarmos o reconhecimento do nosso objetivo como caminhada em si, e não coo chegada em um futuro distante.
Fonte:http://inconfidenciaguerreira.blogspot.com.br/
Cansativo e vazio.
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